Deus é responsável por crianças nascerem com deficiências e outros padecimentos da humanidade?
A Bíblia é repleta de passagens que falam do amor de Deus por nós.
“Deus amou o mundo a tal ponto que deu o Seu Filho único para que todo o
que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). São Paulo
disse que “essa é prova do amor de Deus por nós, porque, ainda quando
éramos pecadores, Cristo morreu por nós” (Rom 5,8). Será que pode haver
maior prova de amor por nós? Diante de tudo isso, não há como alguém
pensar que Deus possa ser responsável por uma criança nascer com
deficiência. Então, de onde vem esse mal?
Deus é suficientemente bom para tirar do próprio mal o bem
A resposta católica para o problema do mal e do sofrimento foi dada
de maneira clara por Santo Agostinho († 430) e por São Tomás de Aquino
(† 1274):
“A existência do mal não se deve à falta de poder ou de bondade em
Deus; ao contrário, Ele só permite o mal, porque é suficientemente
poderoso e bom para tirar do próprio mal o bem” (Enchiridion, c. 11; ver
Suma Teológica l qu, 22, art. 2, ad 2). Como entender isso?
Deus, sendo Perfeitíssimo, não pode ser causa do mal, logo, esta é a
própria criatura, que pode falhar, já que não é perfeita como seu
Criador. Só Deus é infalível e isento de imperfeições. Na verdade, o
mal, ensina a filosofia, é a carência do bem. Por exemplo, a doença é a
carência do estado de saúde, a ignorância é a carência do saber, e assim
por diante. Por outro lado, o mal pode ser também o uso errado, mau, de
coisas boas. Uma faca é boa na mão da cozinheira, mas na mão do
assassino… Até mesmo a droga é boa, na mão do anestesista.
Deus permite que as criaturas vivam conforme a natureza de cada uma;
permite, pois, as falhas respectivas. Assim, o sofrimento é, de certa
forma, inerente à criatura. Mas por que Deus permite o sofrimento? Ele é
Amor e Onipotência, poderia evitá-lo!
Para que o homem fosse “grande”, digno e nobre, Deus o fez livre,
inteligente, dotado de mãos maravilhosas, sensibilidade, vontade,
memória etc., que nem as pedras, árvores e animais receberam. A
liberdade é o toque maior de nossa semelhança com Deus. Ele teve de
correr o risco de nos fazer livres, para que fôssemos dignos, mesmo
sabendo que a criatura poderia lhe voltar as costas. Deus não poderia
impedir o homem de lhe dizer “não”, senão, tiraria dele a liberdade, e
ele seria apenas um robô. Deus não quis isso, mas Ele nos deu também a
inteligência, como uma luz para guiar nossos passos; e nos deu a vontade
para permanecer no bem e evitar o mal.
Ele quis fazer a criatura humana livre como Ele, criou-o da melhor
maneira possível, à Sua imagem. É a liberdade que nos diferencia dos
animais, dos robôs e teleguiados. Podemos escolher espontaneamente o
rumo de nossa vida e o teor de nossas ações. E nisso podemos errar,
cometendo graves danos, especialmente quando usamos mal da nossa
liberdade e inteligência, desobedecendo a Deus.
É Deus quem nos sustenta e nos mantém vivos, mas Ele não tira a nossa
liberdade. Do contrário, não haveria merecimento nem culpa de nossa
parte. Não haveria dignidade no homem. Então, por isso, Ele não quer,
mas permite a morte e o sofrimento no mundo. Aqui está o nó da questão:
Deus respeitou e respeita a liberdade da criatura que lhe diz ‘não’,
embora pudesse e possa obrigá-la ao ‘sim’ – o que evitaria sofrimentos
–, mas isso destruiria a grandeza do homem, que consiste em sua
liberdade de opção.
Deus não é paternalista, é Pai
Depois de dar ao homem todas essas faculdades maravilhosas, Deus lhe
deu o mundo em suas mãos, para cuidar dele como um jardineiro. “O Senhor
Deus tomou o homem e colocou-o no jardim do Éden para cultivá-lo e
guardá-lo” (Gen 2, 15). Se o homem não cuida bem desse mundo, se não ama
os irmãos, se não obedece às leis divinas, então dá origem à dor, e
isso não é culpa de Deus. Daí, surge o pecado e o mal moral, que gera
também o mal físico. “O salário do pecado é a morte” (Rom 6,23). Por
isso, Jesus foi até a cruz, para “tirar o pecado do mundo” (Jo 1,29), a
causa de todo sofrimento e morte.
Deus não é paternalista, é Pai, ou seja, Ele não fica “passando a mão
por cima” dos erros dos homens e consertando os seus estragos como
fazem muitos pais. O Senhor deixa que o homem sofra as consequências de
seus erros. Essa é a lei da justiça, e quem erra deve arcar com as
consequências dos seus erros.
Os nossos erros geram sofrimentos para os nossos descendentes também.
Os filhos não herdam os pecados dos pais, mas podem sofrer por causa
desses pecados. Eu sofro não só por causa dos meus pecados, mas também
por causa dos pecados dos homens, de todos os tempos e lugares,
especialmente daqueles que estão mais ligados a mim: parentes, amigos
etc. A humanidade é solidária.
É lógico que os vícios de um pai fazem sofrer os filhos e a esposa; e
assim por diante. Deus não é o culpado nem deseja nada disso. A culpa é
nossa mesmo. Que culpa teria Deus, se, por exemplo, um pai
irresponsável, passasse uma noite bebendo e, depois, sofresse um
acidente de carro e morresse por dirigir embriagado? Não! A culpa não é
de Deus, é do homem.
O Senhor não desrespeita as leis que Ele mesmo criou
Se você teimar em ligar o seu ventilador em uma tomada de 220 volts,
quando o manual manda ligar em 110 volts, é claro que você vai queimar o
motor do ventilador. Que culpa tem Deus disso?
O mesmo se deu e se dá com o mundo e com o homem.
Temos um Projetista que fez o homem e mundo belos, organizados,
harmoniosos, mas não respeitamos o seu catálogo; então, destruímos Sua
bela obra e geramos o sofrimento.
Quando ouvimos que é preciso “aceitar a vontade de Deus” diante do
sofrimento e da morte, não quer dizer que foi Deus quem quis aquele mal,
aquela tragédia, doença etc. Não! Deus não pode querer o mal. Mas Ele o
permite, porque não desrespeita as leis que Ele mesmo criou e, de modo
especial, o nosso livre arbítrio. Deus respeita a nossa dignidade e
semelhança a Ele.
Se Ele ficasse nos livrando das consequências dos nossos pecados,
nunca nos tornaríamos filhos maduros. Se Ele, por exemplo, suspendesse a
lei da gravidade quando alguém salta de uma altura para a morte, ele
destruiria o mundo todo.
“Deus não fez a morte nem tem prazer em destruir os viventes”, diz o
livro da Sabedoria (1,13). “Ora, Deus criou o homem para a imortalidade,
e o fez à imagem de sua própria natureza. É por inveja do demônio que a
morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio prová-la-ão” (Sab
2,23).
Podemos então dizer que é, principalmente por causa de sua liberdade,
que o homem é grande; por isso, pode sofrer. Ele é imagem de Deus sem
ser Deus. Na sua sabedoria e bondade infinitas, Deus achou por bem
correr o risco de poder nos ver errar e sofrer. Foi o preço da nossa
semelhança a Ele.
O Criador poderia estar constantemente vigiando o mundo, de modo que
nunca houvesse algum desastre ou sofrimento. Mas esse procedimento seria
menos digno de Deus, que deseja dar ao homem a oportunidade de
realizar-se, tornar-se grande, com liberdade e nobreza.
As crianças e os inocentes sofrem, porque participam da dignidade
humana, como já explicamos, e compartilham a sorte da humanidade.
Então, a criança não sofre para pagar os pecados de uma suposta vida
anterior. Ela sofre, porque é solidária com a humanidade; e as
consequências de seus erros a atingem também, embora inocente. Não é
precioso inventar teorias complicadas para explicar o sofrimento, nem
mesmo culpar Deus pelo erro que é nosso.
Deus não interfere no sofrimento da criança a todo instante, fazendo
milagres para impedir o mal, para não destruir a ordem natural que Ele
mesmo criou.
Em consequência do pecado, o sofrimento e a morte fazem parte da
história de todos os homens, inocentes ou pecadores. A fé ensina que
Deus Pai, pelo sofrimento redentor de Jesus, resgatará todo sofrimento
da criança inocente e fará cada uma ressuscitar um dia com Cristo.
Não devemos esquecer que os primeiros mártires da Igreja são os
inocentes que morreram pelas mãos de Herodes, em Belém (Jr 31,15). Hoje,
são santos mártires da Igreja. O seu sofrimento não foi em vão. Não
podemos olhar os fatos só com os olhos deste mundo; é preciso vê-los à
luz da fé.
A Paixão e Morte de Jesus resgataram o mundo. O Pai entregou Jesus por nós assim. Ainda duvidaremos do Seu amor?
Felipe Aquino
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