Como iniciar bem o Ano Novo
Preparar tudo bem é necessário, mas sem jamais cair na tentação de querer encerrar e pilotar a liberdade do Espírito Santo
Nos últimos dias do ano que se encerrou,
muitas empresas entraram em balanço, algumas até fechando as portas por
um período, com levantamento de seu movimento nos meses precedentes.
Cabe depois planejar o novo ano de trabalho, com os necessários detalhes
que lhes possibilitem continuar suas atividades. A Igreja não é uma
empresa no sentido corrente da palavra e no entanto está sempre “aberta
para balanço”. Nunca fecha suas portas e está sempre pronta a avaliar
seu caminho percorrido, verificar sua situação atual e planejar os
passos a serem dados. Ao iniciar-se um novo ano, a Igreja quer
oferecer-nos elementos para um caminho seguro, a ser percorrido com a
luz da fé que nunca falha.
No entanto, toda revisão é capaz de ver
também o que existe de positivo. Olhamos para o passado com gratidão e
reconhecimento, identificando as muitas graças que nos foram oferecidas
por Deus. Os cristãos são chamados a serem o povo da memória, certos das
maravilhas operadas pelo Senhor, repetindo com alegria “Até aqui o
Senhor nos ajudou” (1 Sm 7,12). Olhar para trás e reconhecer o
bem que foi feito por nós e pelas outras pessoas é humanamente saudável e
coerente com a nossa vida cristã. A edificação recíproca de quem valoriza os passos dados é fundamental para crescermos como pessoas e como cristãos autênticos.
Outro ângulo da compreensão da vida e de
seu sentido é o momento presente. Sabendo que a cada dia basta o seu
cuidado, somos convidados a viver bem cada momento, sem nos preocuparmos
com o dia de amanhã, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e sua
justiça, pois todas as coisas são dadas por acréscimo (Cf. Mt 6, 33-34).
Cuidar de amar a Deus e ao próximo cada dia mais e de novo é receita de
equilíbrio para todos. Ter uma visão realista das pessoas e dos fatos,
sem carregar excessivamente nas emoções, dar a devida atenção a cada
pessoa que se apresenta a nós, sem nos dissiparmos em fazer muitas
coisas, que acabam mal feitas.
Uma das “enfermidades” elencadas pelo
Papa Francisco no Discurso à Cúria Romana foi chamada de ‘martalismo’,
que vem de Marta, ou seja, diz o Papa, “daqueles que mergulham no
trabalho, descuidando, inevitavelmente, ‘a melhor parte': sentar-se aos
pés de Jesus (Cf. Lc 10, 38-42). Por isto Jesus chamou os seus
discípulos a descansar um pouco (Cf. Mc 6, 31) porque descuidar do
descanso necessário leva ao estresse e à agitação. O tempo do
descanso, para quem levou a termo a sua missão, é necessário,
obrigatório e deve ser lavado a sério: no passar um pouco de tempo com
os familiares e no respeitar as férias como momentos de recarga
espiritual e física; é necessário aprender o que ensina o Livro do
Eclesiastes, que ‘para tudo há um tempo'” (Ecl 3, 1-15). Para muitas
pessoas, tal recomendações são como uma canção, quando buscam um tempo
de férias no primeiro mês do ano!
Mas a Igreja quer abrir nossos olhos
também para o futuro, fazendo-nos responsáveis pelos nossos trabalhos,
dedicados a fazer o bem, homens e mulheres de esperança. Os primeiros
dias do ano não nos encontrem ávidos de adivinhações, mas prontos a
fazer o bem, de acordo com a vocação, estado de vida e possibilidades
concretas na construção da sociedade. Enxergar longe, horizonte aberto,
planejamento realista do que vamos fazer neste ano, tudo muito correto.
Mas é ainda a palavra de Papa Francisco que nos ilumina, para darmos com
serenidade estes passos: “existe a doença do planejamento excessivo e
do funcionalismo. Quando se planeja tudo minuciosamente e se pensa que,
fazendo um perfeito planejamento, as coisas efetivamente progridem,
tornando-se, assim, um contador ou um comercialista. Preparar tudo bem é necessário, mas sem jamais cair na tentação de querer encerrar e pilotar a liberdade do Espírito Santo,
que é sempre maior, mais generosa do que todo planejamento humano (Cf.
Jo 3,8). Cai-se nesta doença porque “é sempre mais fácil e cômodo
adaptar-se às suas posições estáticas e imutáveis. Na realidade, a
Igreja mostra-se fiel ao Espírito Santo na medida em que não tem a
pretensão de regulamentá-lo e de domesticá-lo… – domesticar o Espírito
Santo! – … Ele é frescor, fantasia, novidade”. Que preciosidade posta à
nossa disposição justamente nesta virada do ano!
Passado, presente e futuro, vividos com a
serenidade de quem acredita que Deus é o Senhor do Tempo! Para
ajudar-nos mais ainda, uma certeza: o tempo não é contado pelas nossas
preocupações, mas acontece quando nos ocupamos do dia a dia. Ele é
contado, vale lembrar, pelo nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo,
cujo aniversário de dois mil e quatorze anos acabamos de celebrar!
Encontre-se com ele cada dia em que escrever os algarismos do ano em
curso, para edificar, pouco a pouco e na graça de Deus, os dias do ano
dois mil e quinze. E se quisermos um modelo de vida para o quotidiano do
ano novo, a Igreja põe à disposição a Virgem Maria, na festa de seu
título de Mãe de Deus, neste Dia Mundial da Paz.
Dom Alberto Taveira Corrêa
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